Não é raro olharmos para
Jesus como um simples revolucionário, como aquele que veio destruir o sistema e
abolir as leis. E nos equivocamos quando dizemos que o Divino Mestre não se
preocupava com os preceitos religiosos de seu tempo. Corremos o risco de
transformar o Cristo em somente uma personagem da história com atuação política,
ele vai muito além disso, em si a lei passa a ter um novo sentido, ou melhor
passa a ter um sentido.
Jesus sendo Deus não quer banalizar as regras que os
profetas receberam e transmitiram, mas deseja o pleno cumprimento de todas as exigências
(Mt 7, 17), não podemos olhar para a lei simplesmente como regras, mas como
pratica de caridade e fraternidade, os mandamentos são para nós caminhos de
santidade palpável e visível em uma sociedade que vive da aparência e
superficialidade.
No capítulo 16 do livro do Eclesiástico percebemos a
graça da liberdade que o Senhor nos dá, mas é importante entender que liberdade
não é sinônimo de libertinagem, pois foi “para a liberdade que Cristo nos
libertou”(Gl 5,1) e a verdadeira liberdade é fazer a vontade de Deus. Luis
Mosconi certa vez falou que “sou livre não porque faço o que quero, mas porque
dou sentido aquilo que faço e sou capaz de assumir as consequências do que faço”,
ou seja, é preciso encontrar o verdadeiro sentido da liberdade.
“Diante do homem estão a vida e a morte, o bem e o mal,
ele receberá aquilo que preferir” (Eclo 16, 18), porém, partindo do pressuposto
de que a verdadeira liberdade é fazer a vontade de Deus, devemos escolher a
vida e o bem, “escolhe, pois, a vida” (Dt 30,19), pois o Senhor “não mandou a ninguém
agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar” (Eclo 16, 21).
Quando falamos em novo sentido para lei queremos dizer
que Jesus pede sua aplicação de forma justa e verdadeira, não como os fariseus
e doutores da lei, que as impunham para oprimir o povo, e eles que deveriam ser
exemplo viviam mergulhos na hipocrisia da falsidade ideológica. Não basta somente não matar, mas é necessário amar
o próximo e evitar que aborrecimentos surjam entre nós, pode ser que não
matemos fisicamente, mas com palavras e ações destruímos a vida de nossos
irmãos alimentando chateações e intrigas.
Vivemos em uma sociedade polarizada pelo ódio e com um
discurso repleto de moralismo, mas Jesus nos faz um alerta, a lei não serve
somente para exigir do outro um bom comportamento ou para que ele faça o que eu
quero. A lei é caminho do céu para aqueles que a ensina e também a pratica de
forma justa como pede o Senhor (Mt 5, 19), não precisamos de moralismos fúteis,
mas da moral enquanto preceitos que nos garanta direitos e deveres que nos
levam a Deus. Nesse sentido, Bento XVI nos diz que “um direito que não se
baseia na moral se torna injusta; a moral e o direito que não derivem suas
motivações da referência a Deus degradam o homem, porque o privam de sua medida
mais elevada e da sua possibilidade suprema, negando-lhe a visão do infinito e
do eterno”.
Jesus é radical quando se trata em fazer a vontade do Pai
e cumprir os seus mandamentos, para evitar o pecado é necessário fugir das ocasiões.
O não cometer adultério, por exemplo, não se resume na ação de traição sexual
do seu parceiro, mas de como agimos com o surgimento dos primeiros pensamentos
sexuais, não se trata de puritanismo, mas um marido ou esposa que por extinto sente
atração por outro alguém deve canalizar seus desejos e não os alimentar, nesse
caso o cumprimento não é da lei pela lei, mas prova de amor pelo seu
companheiro ou companheira, esse é o novo sentido que Jesus nos apresenta.
Somos livres para viver a liberdade em Deus, escolhemos a
vida e o bem, devemos retirar de nos tudo o que causa morte e pecado. É necessário
cortar o mal pela raiz, “se tua mão direita é para ti ocasião de pecado,
corta-a e a joga-a para longe de ti” (Mt 5,30), não se trata de
esquartejamento, as metáforas que Jesus usa sevem para nos orientar e dizer que
a lei, a moral e o direito servem para nos levar a Deus e não como instrumentos
de um sistema corrupto e mentiroso que oprimem aqueles que não detém o poder.
Enfim, para entendermos o verdadeiro sentido da lei e da
liberdade não podemos contar com nossa pseudo autossuficiência, é preciso fazer uso da
sabedoria, mas “não da sabedoria deste mundo nem da sabedoria dos poderosos
deste mundo, que, afinal, estão votados à destruição. Falamos, sim, da
misteriosa sabedoria de Deus, sabedoria escondida, que desde a eternidade Deus
destinou para a nossa glória” (1Cor 2, 6-7). Peçamos a graça de viver livres em
Deus que seu Santo Espírito nos ajude a discernir a melhor forma do cumprimento
dos seus mandamentos.
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