A liturgia deste XXVI domingo do tempo comum nos apresenta
uma pertinente reflexão sobre nossa atuação de cristãos católicos nos diversos
âmbitos de nossa sociedade e especialmente dentro da própria Igreja e na
relação com os nossos irmãos.
Vivemos em
uma sociedade fortemente marcada pelo radicalismo, em constante guerra
polarizada de ideologias que na maioria das vezes representam os pensamentos
individualistas e egocêntricos e não a vontade de Deus. Não podemos jamais
esquecer que o Deus onipotente e eterno que dizemos seguir é um Deus livre, que
nos chama a compreender que seu poder está além de nossas vontades e visões
pessoais, não somos nós que devemos dizer o que Deus deve ou não fazer, mas nós
devemos nos submeter a sua divina vontade como dizemos diariamente na oração do
Pai nosso, “seja feita a Vossa vontade...”[1].
Dizer que
Deus não é propriedade de ninguém não é mesma coisa de dizer que a instituição
visível que é a Igreja não seja válida, pelo contrário, Jesus instituiu a
comunidade cristã em torno dos Apóstolos que se estendeu pelos séculos até os
dias de hoje, constituída de elementos fundamentais para a vivência da fé, tais
como, a Palavra de Deus mantida e interpretada pela Tradição apostólica, a
Eucaristia presença real de nosso Senhor Jesus Cristo que nos alimenta e
fortalece, os sete sacramentos que são sinais visíveis da presença de Cristo na
Igreja e em nossas vidas, a caridade fraterna, os diversos carismas, a missão,
o testemunho dos cristãos e a presença e intercessão da Bem-aventurada Sempre
Virgem Maria e dos Santos.[2] Não
podemos negar que na Igreja está o Espírito Santo que nos anima no seguimento a
Jesus, essa é a nossa fé que semanalmente professamos, creio na Santa Igreja
Católica, somos a Igreja de Cristo, mas ele não é propriedade nossa, o Espírito
Santo sopra onde quer.
No livro
dos Números[3]
encontramos um episódio que mostra claramente que o Espírito de Deus não está
preso a uma pessoa ou instituição, o mesmo Espírito que estava em Moisés foi
transmitido aos anciãos escolhidos e presentes na tenda da oração, mas como
Deus é onipotente e livre, quis também que aqueles que haviam sido escolhidos e
não estavam presentes também recebessem o mesmo dom de profecia. Vejam só meus
queridos irmãos, não podemos frear a vontade de Deus, oxalá todos fossem profetas com o Espírito do Senhor[4],
muitas vezes somos enciumados e não aceitamos que também no outro está a
presença de Deus, muitas vezes pensamos que somente nós somos portadores da
verdade, ou melhor, donos da verdade, mas como vemos, a Verdade é o próprio
Deus que se revelou no seu Filho Jesus e ser agraciados com os dons do Senhor não depende de quem quer, mas de quem o
Senhor escolhe[5] para
determinada missão. Podemos perceber que o dom de profecia dada aos anciãos foi
de modo provisório, isso nos ensina que o dom não nos pertence e sim nos é dado
para que o coloquemos a disposição da comunidade e por não nos pertencer ele
nos é retirado quando e como Deus quer, mostrando que nossa autossuficiência é
apenas vaidade humana, passageira e somente a
lei do Senhor é eterna e perfeita[6]. Em outros
livros bíblicos também encontramos fatos semelhantes, como aconteceu com Saul[7] no
Primeiro livro de Samuel, ele também não era profeta e mesmo assim recebeu o
dom de profecia conforme o Espírito de Deus desejava, Eliseu[8]
pediu a graça de receber o Espírito dado a
Elias, mas tudo no final depende da vontade de Deus.
No
evangelho segundo São Marcos[9]
encontramos algo semelhante, quando João enciumado narra a Jesus que outras
pessoas estavam agindo em seu nome, logo Jesus repreende o seu discípulo
dizendo que “quem não é contra nós é a
nosso favor”, isso não quer dizer que Jesus estava relativizando sua missão
sagrada e que qualquer um poderia agir em seu Nome, mas nós como seguidores de
Jesus não podemos ser segregadores, pessoas que causam desunião e separação,
pelo contrário, na fé em Jesus devemos buscar manter a unidade e fraternidade
de modo civil mas também na fé, somos pessoas promotoras de união na fé em
Jesus Cristo ou somos causadores de desunião em defesa dos nossos próprios
pensamentos?
O
seguimento a Jesus não se resume a um conjunto de leis que são invioláveis, mas
nos pede uma verdadeira e contínua conversão como nos apresenta São Tiago[10],
muitas vezes colocamos nossa confiança nas coisas e bens terrestres, pensamos
que nossas riquezas materiais e intelectuais são suficiente para nos salvar,
mas numa visão escatologia, ou seja, olhando para a eternidade, São Tiago nos
diz que se somos indiferentes ao sofrimento dos demais e a justiça, nos valendo
de autossuficientes, não encontraremos paz na eternidade, é preciso assumir uma
verdadeira mudança de vida, Jesus nos diz que se nossa mão nos leva a pecar
devemos cortá-la[11]
para entrar no céu, não se trata de automutilação de nosso corpo, mas o Senhor
nos diz que devemos fugir do pecado, de todas as ocasiões que o pecado nos
apresenta, cabe em nossa reflexão de hoje pensar: o que estou precisando
arrancar de minha vida para entrar no reino dos céus? O uso irresponsável do
dinheiro? A mentira? A infidelidade conjugal? a pornografia e prostituição? Os
vícios? a idolatria? São tantas coisas que nos levam a cair em tentação e
muitas vezes ao invés de arrancá-los de nosso cotidiano ficamos cultivando como
se fosse uma planta decorativa, mas meus irmãos e irmãs, se não tivermos
coragem de jogar fora de nossas vidas as sementes do maligno, corremos o sério
risco de nós mesmos sermos lançados no
inferno onde o fogo não se apaga[12]. Como
seguidores do Senhor não podemos ser causa de escândalo para os demais, mesmo
aqueles que estão separados de nossa fé e pensam diferente de nós, é pelo
testemunho de verdadeiros e santos cristãos que poderemos um dia, conforme a
vontade do Senhor formar um só rebanho, guiados pelo mesmo Pastor. Deus não é
propriedade de ninguém, mas sejamos nós propriedades do Senhor. Assim seja!
[1] Mt 6,10.
[2] Sequência apresentada por Dom Henrique
Soares em sua homilia para o XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano B.
[3] Nm 11,25-29.
[4] Nm 11,29.
[5] Rm 9,16.
[6] Sl 18, 8.
[7] 1Sm 10, 9-13.
[8] 2Rs 2,9.
[9] Mc 9, 38-49.45.47-48.
[10] Tg 5, 1-6.
[11] Mc 9, 43.
[12] Mc 9, 48.
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