domingo, 29 de setembro de 2024

DEUS NÃO É PROPRIEDADE DE NINGUÉM!

A liturgia deste XXVI domingo do tempo comum nos apresenta uma pertinente reflexão sobre nossa atuação de cristãos católicos nos diversos âmbitos de nossa sociedade e especialmente dentro da própria Igreja e na relação com os nossos irmãos.

            Vivemos em uma sociedade fortemente marcada pelo radicalismo, em constante guerra polarizada de ideologias que na maioria das vezes representam os pensamentos individualistas e egocêntricos e não a vontade de Deus. Não podemos jamais esquecer que o Deus onipotente e eterno que dizemos seguir é um Deus livre, que nos chama a compreender que seu poder está além de nossas vontades e visões pessoais, não somos nós que devemos dizer o que Deus deve ou não fazer, mas nós devemos nos submeter a sua divina vontade como dizemos diariamente na oração do Pai nosso, “seja feita a Vossa vontade...[1].

            Dizer que Deus não é propriedade de ninguém não é mesma coisa de dizer que a instituição visível que é a Igreja não seja válida, pelo contrário, Jesus instituiu a comunidade cristã em torno dos Apóstolos que se estendeu pelos séculos até os dias de hoje, constituída de elementos fundamentais para a vivência da fé, tais como, a Palavra de Deus mantida e interpretada pela Tradição apostólica, a Eucaristia presença real de nosso Senhor Jesus Cristo que nos alimenta e fortalece, os sete sacramentos que são sinais visíveis da presença de Cristo na Igreja e em nossas vidas, a caridade fraterna, os diversos carismas, a missão, o testemunho dos cristãos e a presença e intercessão da Bem-aventurada Sempre Virgem Maria e dos Santos.[2] Não podemos negar que na Igreja está o Espírito Santo que nos anima no seguimento a Jesus, essa é a nossa fé que semanalmente professamos, creio na Santa Igreja Católica, somos a Igreja de Cristo, mas ele não é propriedade nossa, o Espírito Santo sopra onde quer.

            No livro dos Números[3] encontramos um episódio que mostra claramente que o Espírito de Deus não está preso a uma pessoa ou instituição, o mesmo Espírito que estava em Moisés foi transmitido aos anciãos escolhidos e presentes na tenda da oração, mas como Deus é onipotente e livre, quis também que aqueles que haviam sido escolhidos e não estavam presentes também recebessem o mesmo dom de profecia. Vejam só meus queridos irmãos, não podemos frear a vontade de Deus, oxalá todos fossem profetas com o Espírito do Senhor[4], muitas vezes somos enciumados e não aceitamos que também no outro está a presença de Deus, muitas vezes pensamos que somente nós somos portadores da verdade, ou melhor, donos da verdade, mas como vemos, a Verdade é o próprio Deus que se revelou no seu Filho Jesus e ser agraciados com os dons do Senhor não depende de quem quer, mas de quem o Senhor escolhe[5] para determinada missão. Podemos perceber que o dom de profecia dada aos anciãos foi de modo provisório, isso nos ensina que o dom não nos pertence e sim nos é dado para que o coloquemos a disposição da comunidade e por não nos pertencer ele nos é retirado quando e como Deus quer, mostrando que nossa autossuficiência é apenas vaidade humana, passageira e somente a lei do Senhor é eterna e perfeita[6]. Em outros livros bíblicos também encontramos fatos semelhantes, como aconteceu com Saul[7] no Primeiro livro de Samuel, ele também não era profeta e mesmo assim recebeu o dom de profecia conforme o Espírito de Deus desejava, Eliseu[8] pediu a graça de receber o Espírito dado a  Elias, mas tudo no final depende da vontade de Deus.

            No evangelho segundo São Marcos[9] encontramos algo semelhante, quando João enciumado narra a Jesus que outras pessoas estavam agindo em seu nome, logo Jesus repreende o seu discípulo dizendo que “quem não é contra nós é a nosso favor”, isso não quer dizer que Jesus estava relativizando sua missão sagrada e que qualquer um poderia agir em seu Nome, mas nós como seguidores de Jesus não podemos ser segregadores, pessoas que causam desunião e separação, pelo contrário, na fé em Jesus devemos buscar manter a unidade e fraternidade de modo civil mas também na fé, somos pessoas promotoras de união na fé em Jesus Cristo ou somos causadores de desunião em defesa dos nossos próprios pensamentos?

            O seguimento a Jesus não se resume a um conjunto de leis que são invioláveis, mas nos pede uma verdadeira e contínua conversão como nos apresenta São Tiago[10], muitas vezes colocamos nossa confiança nas coisas e bens terrestres, pensamos que nossas riquezas materiais e intelectuais são suficiente para nos salvar, mas numa visão escatologia, ou seja, olhando para a eternidade, São Tiago nos diz que se somos indiferentes ao sofrimento dos demais e a justiça, nos valendo de autossuficientes, não encontraremos paz na eternidade, é preciso assumir uma verdadeira mudança de vida, Jesus nos diz que se nossa mão nos leva a pecar devemos cortá-la[11] para entrar no céu, não se trata de automutilação de nosso corpo, mas o Senhor nos diz que devemos fugir do pecado, de todas as ocasiões que o pecado nos apresenta, cabe em nossa reflexão de hoje pensar: o que estou precisando arrancar de minha vida para entrar no reino dos céus? O uso irresponsável do dinheiro? A mentira? A infidelidade conjugal? a pornografia e prostituição? Os vícios? a idolatria? São tantas coisas que nos levam a cair em tentação e muitas vezes ao invés de arrancá-los de nosso cotidiano ficamos cultivando como se fosse uma planta decorativa, mas meus irmãos e irmãs, se não tivermos coragem de jogar fora de nossas vidas as sementes do maligno, corremos o sério risco de nós mesmos sermos lançados no inferno onde o fogo não se apaga[12]. Como seguidores do Senhor não podemos ser causa de escândalo para os demais, mesmo aqueles que estão separados de nossa fé e pensam diferente de nós, é pelo testemunho de verdadeiros e santos cristãos que poderemos um dia, conforme a vontade do Senhor formar um só rebanho, guiados pelo mesmo Pastor. Deus não é propriedade de ninguém, mas sejamos nós propriedades do Senhor. Assim seja!

 



[1] Mt 6,10.

[2] Sequência apresentada por Dom Henrique Soares em sua homilia para o XXVI Domingo do Tempo Comum – Ano B.

[3] Nm 11,25-29.

[4] Nm 11,29.

[5] Rm 9,16.

[6] Sl 18, 8.

[7] 1Sm 10, 9-13.

[8] 2Rs 2,9.

[9] Mc 9, 38-49.45.47-48.

[10] Tg 5, 1-6.

[11] Mc 9, 43.

[12] Mc 9, 48.

Fonte da imagem: https://br.pinterest.com/pin/37788084369901815/ 


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